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Engenho São João, povoado Barreiros, Arari: história e resistência

POR WILLIIAN CARBONI VIANA¹ & JOSUÉ LOPES DOS SANTOS²




O engenho e o rio O engenho São João se situa no povoado de Barreiros, município de Arari, na coordenada UTM (23M) 523016E 9621021N (Figura 1). Sua localização, na margem do rio Mearim, o posiciona estrategicamente nas rotas de escoamento de produção, sendo o maior e mais caudaloso percurso fluvial a cruzar o estado do Maranhão. O engenho São João corresponde a um precioso registro material referente a história dos engenhos de cana-de açúcar no Nordeste do Brasil, na medida em que reflete temporalidades e diversificados usos sociais, em constante mutação ao longo dos séculos. Não foi possível identificar a data de fundação do engenho São João de forma precisa, porém o conjunto de dados acessados aponta à informação de que ele deve estar ativo a pelo menos desde o século XVIII.


A tração animal foi a primeira força a mover a moenda para manufatura da cana, revertendo-a em açúcar; cujos vastos territórios com plantações corresponderam a catalizadores de pessoas. Neste sentido, o século XX abrangeu um marco importante na evolução das estruturas do engenho São João, pois a tração animal foi substituída pelo maquinário especializado, dinamizando o processo produtivo. A influência da industrialização, apesar de não ser tão intensa, foi sentido ao longo do século XX com as novas máquinas agregadoras de velocidade aos procedimentos de produção. Nas últimas décadas desse século, a industrialização engendrada pelo Estado consolidou os polos industriais em cidades específicas, na região, São Luís era o principal. Os engenhos de Arari não conseguiram acompanhar totalmente a modernização. Aparentemente, a mecanização chegara por meio de ações individuais dos donos dos meios de produção; no caso, os proprietários dos engenhos se deslocavam à São Luís para comprarem maquinários e demais equipamentos para o funcionamento dos trapiches. A produção era escoada regularmente pelo rio Mearim, por embarcações locais, oriundas de cidades vizinhas, como também dos destinos finais aos centros econômicos de maior relevância, caracterizando as relações econômicas dinamizadoras da paisagem cultural da região. No campo do conceito de paisagem cultural marítima, o município de Arari estaria abrangido pelo setor econômico definido como coastal zone. Embora a distância entre a foz do rio Mearim e Arari seja cerca de 100 km, a lógica se insere de forma ampla nessa zona econômica por se tratar de uma conexão direta com o litoral. A produção regional relacionada a cana-de-açúcar também circulou pela chamada inland zone - interior conectado a costa por meio de rotas. A capital São Luís, por sua vez, ficaria na abrangência da waterfront, orla marítima e forma mais adensada da paisagem (Westerdahl, 1992). É importante destacar que antes mesmo dos anos 1980, grande parte dos engenhos – bastante capitalizados, já tinham encerrados suas atividades. O que torna o engenho São João um dos poucos que seguiram resistindo as mudanças na apreensão do espaço, ao longo do tempo. Os restos materiais que retratam o antigo funcionamento do engenho São João podem ser encontrados espalhados nos arredores da casa de máquinas. O Senhor Oswaldo Sena Prazeres, nascido em 1952 no povoado de Bomfim do Arari - vizinho a Barreiros, administrador do terreno do engenho em nome da sua família, eventualmente aciona parte do maquinário para processar uma modesta plantação de cana-de-açúcar. O Senhor Oswaldo relatou que, até os anos 1980, o tráfego de embarcações pelo rio Mearim era intenso, mas depois foi diminuindo em virtude das aberturas das estradas de rodagem. Durante boa parte da sua vida, o Sr. Oswaldo trabalhava com seu pai e irmão no engenho, juntamente com outros assalariados. Atualmente, o objetivo não é mais o açúcar, e sim a produção de melaço (mel da cana) e cachaça (bebida destilada comum no Brasil, desenvolvida a partir da cana), em paralelo a apicultura. Atividades empreendidas pelo próprio Sr. Oswaldo.


Elementos históricos e técnico-funcionais


O engenho São João é mantido em funcionamento pelo Sr. Oswaldo. Eventualmente, sua produção de melaço, cachaça e mel de abelha é vendida na feira de Arari e para pessoas que encomendam com o próprio Oswaldo. O deslocamento até o local da venda ou para fazer as entregas é feito em parte por sua canoa para atravessar o rio Mearim, tendo na outra margem a sua bicicleta com uma carroça acoplada. O Senhor Oswaldo conta que seu pai, João Luís Prazeres - nascido em 1914 no povoado de Barreiros, adquiriu o maquinário do engenho ao Senhor Joca Ribeiro e esse ao Senhor Abraão Salomão. João Luís trouxe esse conjunto de máquinas de um local denominado Pedras Altas, instalando-o no local em que hoje se situa e fundando o engenho São João.



No entorno da casa do engenho São João, puderam ser observados materiais como paróis em madeira, caldeiras em cobre, cochos simples e cochos de aparar melaço, tachos em cobre, resfriadeiras, repartideiras e resquícios construtivos que apontam à uma estrutura muito maior em relação a atual. A moenda de cana do engenho é composta por um trapiche horizontal de mesa, originalmente movido a tração animal, fabricada em Liverpool (Inglaterra) em 1860, pela empresa Fawcett - Preston Engineering Company Ltda. A fabricante do maquinário do engenho São João, a Fawcett - Preston Engineering Company Ltd, foi fundada em 1758 por George Perry, como filial da já estabelecida empresa Coalbrookdale Foundry, na cidade de Liverpool. Em 1778 tornou-se independente, ainda antes do final do século XVIII havia adquirido respeito internacional na fabricação de máquinas de processamento de cana-de-açúcar. Essa empresa também se destacou mundialmente no ramo de motores marítimos, incluindo a primeira balsa a vapor do modelo Mersey, a Etna (1817) e, mais tarde, o navio transatlântico President em 1840, o maior do mundo à época. A Fawcett forneceu motores aos navios da confederação construídos em Liverpool, além de armamento e munições. Em 1935, a fábrica foi transferida da 177 Lydia Ann Street – Liverpool para Bronborough, em 1947 foi comprada pela Metal Industries Group e em 1986 pela Expamet International (PLC) (todas as informações, referentes a fabricante da moenda, foram obtidas junto ao Museu Marítimo de Liverpool [Merseyside Maritime Museum]. No que diz respeito ao funcionamento do maquinário, em concordância com os materiais verificados no engenho São João, foram constatadas três fases de operação: 1) tração animal; 2) vapor; e, 3) motor. O Senhor Oswaldo conta que seu pai já adquiriu todo o maquinário adaptado ao funcionamento a vapor. Nessa fase, a produção de açúcar, melaço e cachaça envolvia cerca de 15 pessoas de maneira permanente e 25 na época da colheita da cana. Os trabalhadores envolvidos eram o próprio Sr. Oswaldo, seu pai, irmão e tio (âmbito familiar) e assalariados. Em 1969, Oswaldo acompanhou o seu pai até a cidade de São Luís, onde compraram um motor da marca japonesa Yanmar, modelo NT110cc, sendo esse o atual propulsor que movimenta a mesa de moagem. A cargo de informação, a Yanmar, fundada em 1912, iniciou suas atividades no Brasil em 1957, se territorializando por todo o território brasileiro através da venda de motores e, mais recentemente, potencializando a produção de equipamentos agrícolas (as informações sobre essa empresa foram extraídas do sítio oficial da Yanmar, ver bibliografia). Voltando os olhos ao engenho São João, a mecanização da tração do maquinário modificou parte do processo de produção. Fez diminuir a mão de obra para 12 pessoas, sendo pelo menos dois metedores de cana, dois caneiros e dois carregadores (nas palavras do Sr. Oswaldo). O trabalho continuava empreendido em parte pela família, Oswaldo, pai, irmão e tio, e demais agregados/assalariados. Diferentemente de hoje, nos anos 1960/1990, havia variedade de tipos de cana cultivadas no engenho, designadamente, caiana, pernambuco, roxa e bem-te-vi. A cana era colhida entre junho e dezembro.


Oswaldo relata que toda a produção era recolhida na porta do engenho, por embarcações de comerciantes que a revendia em toda a baixada maranhense e São Luís, além da população em geral que procurava o engenho para compra de produtos a granel.




SOBRE OS AUTORES:


1- Estudante de doutorado em Geografia Humana no Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto willian.cienciashumanas@gmail.com


2- Doutor em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe – UFS Josue.lopeshistoria@gmail.com



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